Quando em 2006 cheguei na Irlanda pra “virar gente grande” não imaginava quantos desafios me aguardavam. Todos, sem exceção foram fundamentais para meu crescimento pessoal e profissional, mas um deles me direcionou ao que hoje é meu propósito de vida: ensinar inglês para brasileiros.

Era meado de julho de 2006 e eu estudava em uma escola na Irlanda que aplicava, como a maioria, metodologias tradicionais de ensino do idioma. Era muita decoreba de regrinha, professor gringo que não falava português, joguinhos para decorar vocabulário, e veja só, eu estava na Irlanda. O professor em questão era um jovem irlandês nos seus 20 e poucos anos, super paciente, mas sem muita motivação em seguir adiante cumprindo suas obrigações de ensinar inglês aos alunos que frequentavam as suas aulas.

Existiam alguns problemas básicos que estavam além da sala de aula e iam de encontro da “falta de vontade” dos professores de ensinar inglês efetivamente, como por exemplo, a crença da maioria dos estudantes de só precisar frequentar as aulas para renovar o visto, uma vez que era obrigatório ter presença em pelo menos 75% das aulas ao final do curso para que o aluno pudesse permanecer por mais 1 ano no país. Eu hoje, como professora, vejo que isso não era um fator de motivação aos professores, pois imagina ter uma sala de aula cheia de gente que não está ali pelo mesmo propósito que você: a língua inglesa.

Em três meses de Irlanda me trocaram de professor e foi aí que as coisas começaram a tomar outro rumo. Passei a ter aulas com outro professor irlandês que, por ventura, falava português e havia passado um tempo no Brasil ensinando a língua inglesa para os locais. Ele era completamente contra as metodologias aplicadas no mercado como um todo e não tinha papas na língua para gritar isso aos quatro ventos. Suas aulas eram pautadas em outras metodologias e formas de ensino, ele até soava arrogante quando ensinava e julgamentos eram comuns enquanto lecionava.

Em um dia desses de aula, ele chegou mais “atravessado” que o normal e um dos alunos brasileiros o questionou sobre os livros que havíamos comprado e que ele não estava seguindo. A maioria dos alunos dessa sala de aulas era de brasileiros, seguidos por chineses e indianos (em sua minoria) e foi quando nós o ouvimos dizer que brasileiros eram burros (isso em português), porque nós acreditávamos que aprender inglês era igual a aprender português na escola, ou seja, que as gramáticas “casavam” e que jamais falaríamos inglês porque quem ensinava no Brasil preferia nos manter assim, burros. Me lembro dele dizendo que as duas línguas eram completamente diferentes em construção e essência. Isso me revoltou de uma maneira inexplicável: como alguém chega e diz que nós não sabemos aprender e que quem ensina não quer que aprendamos? Além disso, que tudo o que eu havia aprendido até então e investido, não haviam servido de nada?

Pra mim isso foi um choque na época e essa aula em questão gerou bastante revolta de todos os alunos, inclusive dos que não falavam português por terem se sentido excluídos durante os comentários de ataque do professor. A escola logo se prontificou em trocá-lo e eu acabei trocando de escola após mais algumas semanas. Claro que a questão ética do professor era questionável e com toda razão, mas ali eu tomava uma das maiores lições que eu poderia ter aprendido nos meus 3 anos e meio na Irlanda: ensinar inglês para brasileiros vai muito além de saber falar o idioma. Mas só perceberia isso anos mais tarde.

A única constância da vida é a mudança.

A escola que eu havia escolhido era diferente em acolhimento aos alunos e tinham sim o compromisso de ensinar, além disso, seguia um mix das metodologias tradicionais e outras mais inovadoras. Eu frequentava as aulas assiduamente e não porque precisava do visto, mas por ver sentido em estudar a base do idioma e ser, em algum momento, considerada fluente na língua inglesa. Claro que nessa época eu não pensava em ser professora, longe disso, mas mal sabia eu que meu caminho já estava escrito nas estrelas e que todo meu esforço, meus fracassos, vitórias e aprendizados mais dolorosos seriam a força motriz do meu presente.

Nessa escola eu fui incentivada não só a falar o idioma de forma correta, mas também a me certificar que eu já tinha um ótimo conhecimento da língua. Realizei o exame de proficiência IELTs por incentivo da professora e mesmo falando inglês somente a mais ou menos 1 ano e meio, a nota foi boa: 6,5 de 9 pontos. Uma constatação muito gostosa do meu conhecimento sobre a língua.

A questão é que não foi assim tão simples chegar a este ponto, eu precisei mudar muitos conceitos e aceitar que meu conhecimento ao chegar na Irlanda estava bem abaixo do que eu imaginava e gostaria.

Foram meses de estudo e dedicação em uma metodologia que me fez seguir processos que faziam sentido e entender que tudo tem sua hora. A escola propunha investigar se o inglês da rua o qual eu estava aprendendo era correto e me tirava da zona de conforto a cada lição tomada. Lidar com todos esses desafios ao mesmo tempo até me fizeram aprender inglês de forma mais rápida, mas não menos dolorosa – assunto esse que comento no artigo Os perrengues de fazer uma imersão: O que não te contam quando te indicam esse método para aprender inglês”

Uma nova perspectiva sobre a língua foi criada a partir do momento que eu aceitei minhas limitações e percebi que aquele professor, de forma tão indelicada, havia me aberto os olhos. Foi daquele momento em diante que passei a ver que a minha vida de estudos havia sido uma fraude e que lá fora, no mundo real de quem quer realmente aprender inglês, os estudos devem ser pautados em cima das peculiaridades da língua que se busca aprender, mesmo que a língua materna se faça presente para comparar peculiaridades e conceitos entre os dois idiomas.

Afinal, como ensinar inglês para brasileiros?

Quando em 2016 já morando no Brasil decidi dar aulas de inglês, fui me especializar e aprender sobre didática de aulas. Um dos desafios de quem ensina é ter uma metodologia atraente, eficiente e que faça sentido na vida das pessoas. Logo eu descobri que as metodologias aplicadas no país seguem a mesma linha a mais de 30 anos e que ainda é pautada em ensinar a língua inglesa exatamente como aprendemos o português: através dos tempos verbais. Passei a sentir toda a ira que o tal professor na Irlanda exprimia e nunca o que ele havia dito fez tanto sentido, percebi o quão enganados somos por todos esses profissionais e escolas que ainda aplicam essas metodologias atualmente. Me peguei tendo vontade de agradecê-lo pela aula desconfortável naquele ano e entendi que poderia honrar o ensinamento criando algo que fosse totalmente adaptado a nós brasileiros e a nossa cultura.

No início as coisas não faziam muito sentido, mas eu estava determinada a mudar o modelo de aulas com uma nova metodologia de ensino a todo custo. O melhor a fazer era enfiar a cara nos livros que ensinam gramática da língua inglesa e separar o joio do trigo, ou seja, garimpar ali o que realmente seria necessário estudar em uma metodologia que focasse em todas as etapas do aprendizado da língua: estrutura gramatical, escrita, habilidade de escuta e finalmente fala. Mais importante que isso, eu precisava entender quais eram As importantes diferenças entre o português e o inglês e como usá-las a seu favor”.

Os livros, como os de título Grammar in use de Raymond Murphy e How to speak and write correctly de Joseph Devlin, foram algumas das bibliografias que usei para desenvolver a metodologia que uso hoje para ensinar inglês aos brasileiros e claro que nossa língua portuguesa e principalmente nossa cultura foram base para o desenvolvimento desse novo método e forma de ensinar.

Sobre os livros citados, estes não trazem explicações aprofundadas em suas lições, somente exemplos aplicados sobre gramática e escrita. Se você não fala o idioma fica mais perdido que chinelo em cancha de bocha e o máximo que esses livros farão por você é lhe tornar um receptor de informação e não um falante da língua. Contornar essa falta de explicação foi o que consegui com o auxílio desses livros e pude filtrar os conceitos necessários para desenvolver uma linha de raciocínio clara, prática e objetiva considerando o que faz sentido pra os brasileiros.

Usar a língua portuguesa e a nossa cultura como base foi fundamental pra entender onde nosso calo aperta e compreender que ou a gente estuda as diferenças entre as línguas e culturas ou estamos fadados a jamais sermos falantes de inglês. Aprendi que não adianta querer “colar” as gramáticas desses dois idiomas e ensinar inglês através de tempos verbais, muito menos aplicar tradução ou focar em vocabulário, pois, os dois idiomas são diferentes e essas diferenças precisam ser aprendidas e praticadas desde a primeira aula.

Como você pode perceber, aprender inglês deve levar em conta quem somos como estudantes e como uma nação cheia de cultura ímpar. Há anos ainda estudamos inglês de forma equivocada, aplicando conceitos que não fazem parte desse idioma e tentando encontrar sentido em situações que são parte somente do nosso português. Isso não só nos atrasa, pois, o mundo é global e por não sermos falantes da principal língua falada mundialmente, perdemos negócios, interações pessoais, conhecimento e muito mais.

Costumo dizer que se eu precisasse ensinar inglês para qualquer outra pessoa que não fosse brasileira eu teria problemas justamente porque eu me especializei nesse público: o brasileiro. Há de se compreender como melhor atendê-los, quais são os processos que cada um de nós já atravessamos durante tantos anos de ensino equivocado e o porque decidimos seguir ou não aprendendo. Somos um povo caloroso, que adora interagir e estar em todo lugar, só nos faltava uma oportunidade melhor de estudo para poder fazer isso sem restrições com a língua inglesa.

E aí, bora falar inglês pra vida toda?! 😀

Texto publicado originalmente no site www.saygo.com.br

ARIÇA VARGAS

Categorias: Post Livre

0 comentário

Deixe um comentário

Avatar placeholder