Das histórias homéricas que tenho pra contar da Irlanda, ter quase sido deportada foi a mais tensa e assustadora de todas e até hoje os sentimentos são intensos. Senta que o texto é longo…

No final do ano de 2017, mais precisamente em 30/12, eu fui passar a virada do ano com alguns amigos que moravam na Holanda e para economizar eu decidi ir por Belfast, que fica no norte da Irlanda e pertence ao Reino Unido. Na época, eu tinha um visto de estudante que estava vencendo em dezembro, mas como eu tinha residência fixa, emprego, conta bancária que, teoricamente, serviriam pra relatar meu vínculo com o país, eu viajei sem preocupações!

Minhas intenções de viajar por Belfast era de também conhecer a cidade que é a capital do norte irlandês e um charme de cidadezinha! Então na ida, eu peguei meu ônibus e viajei de Dublin a Belfast bem faceira apreciando as paisagens da Ilha esmeralda direto ao aeroporto, pois na volta passaria talvez um ou dois dias ali.

O ano novo foi ótimo!! Amsterdam é uma cidade linda e parece um cenário de filme de época. Há uma atmosfera muito acolhedora e as pessoas tendem a ser bastante solícitas e simpáticas. É uma cidade com um estilo de vida bastante saudável e além do trânsito intenso de bicicletas, também há muita gente que trafega pelos canais e usam o Tram, transporte público bastante abrangente. A cidade respira arte de todas as formas. Há muitos museus com artistas renomados e a vida é bastante corrida, como em qualquer outra cidade grande.

Era a primeira vez que estava viajando para qualquer lugar desde que havia chegado a Dublin, então estava encantada e bastante feliz com a oportunidade de conhecer uma nova cultura!

Mas como dizem: “tudo que é bom dura pouco”, eu só não sabia que tudo se transformaria em um dos piores pesadelos.

Do sonho ao pesadelo

Dia 02 de janeiro, eu bem bela, peguei o trem na maravilhosa estação central de Amsterdam com destino ao aeroporto Schiphol, fiz check in, embarquei com a minha mochila de 3 dias e voltei pra Belfast, onde ao apresentar toda a documentação na imigração, fui solicitada a aguardar um oficial, pois ele precisava falar comigo.

Fiquei por quase uma hora aguardando o tal oficial sem mais nenhuma informação do que de fato estava acontecendo e nunca imaginei que eles estavam preparando a minha documentação para me mandarem de volta ao meu destino original (Holanda), pois, eles haviam negado minha entrada no país por entender que eu estava com planos de entrar e ficar ilegal (uhum, logo eu que fico nervosa até com a porta giratória do banco travar e de ser despida ali mesmo).

Quando finalmente o oficial retornou me informou que eu estava sendo “REMOVIDA” de volta ao país de onde eu havia embarcado (Holanda) e que muito provavelmente até o final do dia seguinte eu estaria sendo enviada de volta ao meu país.

Eu mal falava inglês na época, pois, como já contei algumas vezes aprender inglês em intercâmbio é mais difícil do que se pensa, mas entendi perfeitamente as palavras que ele havia me dito.

MEU MUNDO RUIU. Ao questionar a razão pela qual eles estavam negando minha entrada ele me disse que eu não mantinha vínculos com o país. Claro que uma conta no banco com um valor aproximado a $3000 euros, uma residência fixa e emprego fixo não eram suficientes pra comprovar vínculo e eles precisavam da carta da escola, que no dia 02 de janeiro estava fechada e só voltaria a abrir dias depois. Sem contar que isso era quase 10h da noite.

Argumentei de todas as formas possíveis e expliquei que a escola havia fechado há alguns dias e que eu não pretendia renovar o visto com a mesma escola porque ela não era boa e eu iniciaria as aulas em um novo curso para evoluir meu inglês. De alguma forma eles ponderaram e me pediram se eu tinha alguma referência em Dublin que pudesse confirmar minha história para que eles me deixassem entrar. Dei então o telefone da gerente chinesa do café onde eu já trabalhava há quase 6 meses, garantida de que ela confirmaria que eu trabalhava lá, que frequentava as aulas constantemente e que sim, tinha um comportamento adequado às leis do sul da Irlanda, mas quando o oficial retornou ele me disse que a gerente além de não confirmar disse que não me conhecia. PASMEM, aquela FDP (flor de pessoa) disse a um oficial de imigração que não me conhecia. Bom, daí vocês já podem imaginar o desfecho. O papo acabou praticamente ali.

O oficial me perguntou se eu conhecia alguém em Belfast que poderia ser meu tutor até a manhã seguinte e como obviamente eu não conhecia ninguém eu fui levada, algemada, através do saguão do aeroporto, a uma viatura que me aguardava do lado de fora em frente ao aeroporto pra levar a delegacia mais próxima; SIM, eu fui presa pela primeira vez na vida sem ter cometido nenhum crime e por estar sendo julgada por pessoa que nunca haviam me visto na vida.

Ao chegar à delegacia, eu já havia chorado um rio e as próximas 7h foram de mais choro e desespero, pois eu implorava pra que eles entrassem em contato com outras pessoas na Irlanda e eles apenas ignoravam meus pedidos. Uma psicóloga foi chamada, pois eu realmente estava em um estado deplorável e eu só chorava e me imaginava chegando em casa, com meu pai put@asso (o qual meses antes havia me dito que eu estava “indo de férias”) me recebendo no aeroporto com aquele olhar de “eu avisei”, sabe? Pensava também em todas as minhas responsabilidades na Irlanda, como casa alugada, minhas coisas todas, conta no banco com dinheiro e tudo mais. Eu estava desesperada no sentido mais literal da palavra.

Eu fiquei em uma cela com as paredes em um cinza grafite claro, que tinha somente uma cobertinha que se puxasse com força rasgava e fui tirada tudo o que eu pudesse me machucar, até o cadarço do tênis ficou ao lado de fora da cela.

Pela manhã, o mesmo oficial de imigração veio me tirar da cela e me levou de volta ao aeroporto. Quando ele foi me algemar novamente eu implorei a ele para que não o fizesse e a policial que nos acompanhava o fez conceder meu pedido (graças a Deus).

Chegando no aeroporto de Belfast eu fui levada direto ao avião, escoltada pelos dois e minhas coisas, que na noite anterior havia passado por um pente fino em busca de algo que me incriminasse, foi entregue em um saco plástico transparente a aeromoça do voo, pois era somente uma mochila pequena com roupas para 3 dias. Momentos extremamente humilhantes que nunca mais vou esquecer na vida.

Quando aterrissamos na Holanda, fiquei aguardando um novo oficial de justiça me buscar no avião e me levar a sala de espera do próximo voo de volta ao Brasil, como eu havia sido instruída pelo oficial de Belfast que aconteceria. Quando o oficial Holandês chegou e me tirou do avião, o tratamento de prisioneira mudou completamente e ele extremamente amistoso me perguntou se eu havia levado drogas “lícitas” ou qual teria sido a razão pela deportação. (Ai eu me liguei do porquê do pente fino. Tão inocente ela). Comentei com ele que faltou a carta da escola de Dublin e ele me perguntou: Só isso? Mas você não tinha mais nada pra comprovar vínculo? E a novela de voltar a Dublin com final feliz começou a tomar forma pra minha imensa alegria.

Nem tudo são flores, mas nem tudo são espinhos também!

No caminho da tal sala de espera, o agente de imigração me questionou se então eu estava disposta a voltar a Dublin quando eu lhe contei os motivos de estar sendo removida e mostrei todos os documentos que tinha em mãos (documentos que SIM, PASMEM, comprovavam vínculo com o país de forma extremamente satisfatória).

Ele também me disse que o que estava acontecendo era uma remoção e não uma deportação, por isso o visto havia sido cruzado em caneta preta e que se fosse vermelha eu não teria direito a voltar aquele país tão cedo. Mudamos a direção da qual estávamos indo e ele me levou conversar com o chefe de imigração Holandesa pra ver se havia mesmo chances de eu ficar no país até conseguir a carta da escola e voltar pra Dublin. Foram os 30 minutos de espera mais longos da minha vida. Nem os 9 meses das minhas duas gestações demoraram tanto.

Chegou então um senhor bastante simpático, que olhou meus documentos e me perguntou: Mas porque eles não te deixaram entrar? Pergunta essa que eu ouviria mais duas vezes e sentiria a mesma revolta que dessa primeira vez. Expliquei o que o agente britânico (não esqueçam que Belfast fica no Norte da Irlanda que pertence ao Reino Unido) havia me dito e o agente holandês falou que os motivos eram inconsistentes e o que eu tinha de documentação era mais do que suficiente pra eu não ser barrada. Ele me deu apenas 1 condição pra eu ficar em Amsterdam com um visto provisório de 30 dias: eu precisava de um tutor!

Na noite anterior eu havia sido permitida a fazer a famosa ligação única e consegui falar com uma das amigas que havia ido visitar (nem conto que ela sempre foi a mais desesperada de todas porque isso não vem ao caso hahahaha) e ela se encarregou de deixar todos sobre aviso. Ela também havia sido quem me acompanhou a estação de trem dias antes na despedida e tem registro fotográfico (se não se perdeu) da “removida” deixando a estação já dentro do trem!

Ligamos, então, nesse momento ao meu amigo italiano, Lucca, que na época namorava uma das minhas amigas e ele se responsabilizou pela moça aqui e aquele foi um dos dias mais felizes da minha vida!

Quando o agente da imigração carimbou meu passaporte com o visto provisório ele desejou boa sorte e ao deixar o guichê eu senti um alívio imenso. Ali tomei algumas lições extremamente importantes pra vida toda:

  • Sorrisos abrem portas
  • Chorar só serve mesmo pra lavar a alma
  • Quem tem amigos tem tudo
  • Diálogo resolve qualquer problema
  • Criar codornas é melhor do que criar expectativas
  • Toda e qualquer situação ruim te torna muito mais forte

E como se essas lições já não fossem o bastante, eu ainda aprendi que virar gente grande dói e dói muito e que depois que a gente vira gente grande, ainda continua doendo de tempos em tempos.

Não preciso nem dizer que meus amigos estavam me esperando no saguão da estação de trem quando cheguei lá e eu chorei de felicidade, assim como choro agora por lembrar desse momento. As horas anteriores tinham sido bastante difíceis e poder ver o rosto delas (e não do meu pai no Brasil) foi muito mais que acalentador. Uma dessas amigas em especial, a Mari, tinha sido uma das razões pelas quais eu me encorajei e decidi fazer o intercâmbio e ela teve um papel fundamental da minha vida, pois sem ela a Ariça de hoje não existiria e devo muito a ela a tudo o que passamos juntas nessa fase das nossas vidas a as memórias boas e ruins que temos hoje.

Passei mais quase um mês na Holanda, vivendo a vida local e além de absorver a cultura também gastei todo meu rico dinheirinho que me fez muita falta ao retornar pra Irlanda, mas, foram dias felizes que eu pude aproveitar.

Passeis dias na correria para conseguir a carta da escola e foi outra novela, entre escolher uma nova escola, conseguir mandar o dinheiro e receber a carta oficial se passaram quase mês. Mês esse que pude desfrutar de forma bastante intensa a cultura da Holanda e que me fez me apaixonar de vez por aquele país e seus moradores!

Quando retornei à Irlanda, ao chegar no guichê de imigração e apresentar todos os documentos inclusive a carta da escola, depois de contar porque tinha um visto negado e toda a saga que foi chegar ali o agente me pergunta: “mas porque eles não te deixaram entrar”, afirmando pela segunda vez que eu tinha tudo o que precisava e que a carta da escola foi usada, talvez, como uma desculpa para barrar minha entrada no Reino Unido. Pensa na minha cara de palhaça nesse momento, né?!

Mas e daí, quem ligava? Eu estava tão feliz em ter voltado ao sonho irlandês que só queria mesmo ir pra casa e esquecer toda a parte ruim desse processo. (como se fosse possível)

Quando fui até o café do qual eu trabalhava antes de viajar, a chinesa, minha ex-gerente, se fez de sonsa e disse que o agente da imigração perguntou somente se ela me conhecia e ela disse que negou porque não reconheceu meu nome quando ele o falou (veja se pode uma coisa dessas). Ela já foi logo dizendo que por conta de eu ter “sumido” ela havia contratado outra pessoa pra minha posição e eu me vi tendo que trabalhar em um outro café dessa empresa há quase 3 horas da minha casa ganhando a metade do que ganhava ali, pois, o trabalho era outro.

Hoje eu agradeço pelo meu caminho ter cruzado com essas pessoas, pois, muito aprendi e certamente foi uma das experiências mais intensas da minha vida. Claro que minhas histórias com deportação não acabaram por aí, mas essa o final não foi tão feliz, mas eu conto numa próxima oportunidade pra você!

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