Desde pequena eu quis aprender a falar Inglês, mesmo que ninguém na minha família morasse fora do país ou coisa parecida. Sempre quando eu e meus pais saíamos de carro pra algum lugar mais longe, meu pai colocava aquela fita K7 do Pink Floyd pra tocar, eu agarrava os encartes dos LP’s que ele tem até hoje, e me lançava pra dentro do carro na minha própria aventura particular dentro daquelas músicas psicodélicas.

Adorava ficar “lendo” e tentando entender o que David Gilmour e Roger Waters cantarolavam canção por canção. Corria os dedinhos pelos emaranhados de letras e me lembro de pensar “um dia ainda vou entender tudo o que eles cantam”.

Engraçado como algumas lembranças marcam a vida da gente, não é mesmo?!

Quando fiquei um pouco mais velha, minha mãe me matriculou em um curso tradicional para que eu aprendesse a falar a língua, mas não deu muito certo. A escola ficava em um prédio de 8 andares, e minha sala ficava lá em cima, no oitavo andar. A professora, reclamava sempre pra minha mãe, que eu passava a maioria da aula olhando pela janela, pro céu, como se estivesse em transe. A verdade era que a professora tinha uma didática que de fato não chamava a minha atenção, e francamente, o que mais me chamava atenção na aula era a risada dela, que era engraçadíssima, ela ria como quem puxa o ar pra dentro e muito alto, e isso sim me fazia prestar atenção muito mais do que as palavras que ela dizia ou conteúdo que ela estava tentando ensinar através de um livro com seus exercícios de lacunas.

Neste meio tempo, apesar de não estar aprendendo a língua como eu deveria, eu estava ampliando meu gosto musical. Continuava com os encartes de baixo do braço cantarolando, mesmo sem entender lhufas, músicas do GreendayOffspringBad Religion, e por ai segue a lista.

O melhor presente que já ganhei da música! 

Anos depois, tive a chance de me mudar pra Irlanda e finalmente aprender inglês. Foi uma experiência maravilhosa, com seus altos e baixos, a qual eu repetiria sem titubear. Conto um pouco do início dessa jornada nesse artigo.

Quando você vai morar em outro país, você se transforma em uma versão melhor de você mesmo, e acaba que em prol da absorção de coisas novas, você deixa de lado algumas coisas, como por exemplo, músicas que fazem parte de você desde a infância. Entretanto, apesar de toda transformação, não deixarmos de ser quem somos e acabamos sempre por voltar as raízes.

E foi num dia desses raros de sol e frio – Sim, sol na Irlanda é raro – pouco tempo depois de já morar na Irlanda, que resolvi ouvir um dos álbuns que considero uma obra prima da música mundial e o qual eu havia crescido ouvindo. The Wall, do Pink Floyd! Confesso que ainda me emociono ao lembrar desse dia, pois foi um dos dias mais felizes de Irlanda. Foi o melhor presente que a música poderia ter me dado naquele momento da minha vida. Eu estava compreendendo tudo o que, quando criança, havia prometido a mim mesma que compreenderia. Eu estava diante de um acontecimento que vinha acompanhado de um turbilhão de sentimentos, uma mistura de nostalgia e saudade de casa, mas acima de tudo, um sentimento de vitória, de dever cumprido!

Deste dia em diante, a música, que já fazia parte da minha vida, deixou de ser apenas recreativa e passou a ser instrutiva. Toda música que chegava aos meus ouvidos, principalmente as conhecidas, tinham um gosto de aprendizado, eu passara a melhorar minha fluência no inglês e aprender muito através delas.

Cantando e aprendendo!

A música sempre me acompanhou por aí, tipo trilha sonora, sabe?! Mesmo antes de ter tido esse insight sobre elas. E quando percebi o quão essa ferramenta poderia ser importante no aprendizado do inglês, eu me agarrei a isso com unhas e dentes.

Eu já comentei neste outro artigo, que na época que cheguei na Irlanda, ouvi um professor dizer que para aprender inglês as pessoas precisam deixar para trás os conceitos ensinados nas escolas convencionais brasileiras, para daí começar a aprender Inglês de verdade. Ele era irlandês, tinha morado no Brasil por alguns anos por conta da sua esposa brasileira e havia dado aulas de Inglês em cursos tradicionais no Brasil, portanto entendia de fato o que estava me dizendo. Ele dizia para os “novatos” que precisávamos aguçar nossos sentidos.

Lição tomada e aprendida! Aguce seus sentidos! Me sentia como se tivesse redescoberto a maneira de aprender Inglês.

A música, era um exemplo perfeito para ilustrar essa forma de aprendizado que o professor havia sugerido, pois me possibilitava ouvir nativos falarem com seus sotaques assustadores sem que eu precise fazer cara de paisagem quando não entendia o que eles falavam. E ainda poderia ser melhor! Eu poderia voltar a música quantas vezes fosse necessário para por fim, entender e absorver aquela informação.

Como sempre fui ouvinte de música estrangeira, foi mais fácil me localizar dentro dos gêneros que gostava e escolher os cantores mais articulados e fáceis de entender. Como as músicas que gostava na infância ainda me atraiam, foi ainda mais fácil levar a língua pra esse mundo, pois eu já as conhecia, e agora eu precisava apenas decodificá-las. Senti que meu inglês deu aquela guinada depois disso.

Mesmo que naquela época a compreensão de que a música estava sendo uma ótima ferramenta de aprendizado não fosse plena, eu sabia, que de alguma maneira ela estava me auxiliando no meu dia-a-dia. Só o fato de eu não ter vontade de correr para as colinas quando alguém, que não um cantor, falava comigo e eu não entendia, já me valia o esforço de continuar a usar essa técnica de aprendizado.

A herança que a música me deixou! 

Muita gente me pergunta como foi que eu mantive a minha fluência na língua mesmo depois de tanto tempo morando no Brasil e, dentre outras técnicas que aprendi e uso até hoje, a música sempre esteve entre as “top five” para manter meu cérebro ativo quando se trata do Inglês.

Ainda hoje, eu continuo a estudar Inglês com música e sou uma ouvinte bastante assídua, mas confesso que não tanto como naquela época. Procuro estar antenada em bandas novas e coisas que as minhas bandas favoritas andam fazendo por aí. Mantenho assim vocabulário e pronúncia e de quebra ainda calibro o bom humor enquanto cantarolo as músicas preferidas.

A música te ensina sem que você perceba que está aprendendo. É uma das melhores formas de se aprender com prazer! 

Atualmente, eu como professora de Inglês, faço questão de incentivar meus alunos a ouvirem muita música e a aprenderem com elas. Faço questão de mostrar esse lado instrutivo que a música oferece e faço o possível para motivá-los a manter contato com essa forma tão gostosa de aprendizado. Sou grata por um dia ter ouvido de alguém mais sábio que eu que precisamos enxergar os horizontes com outros olhos, “com os olhos dos nossos sentidos”.

Texto publicado originalmente no site www.speakasyougo.com.br

ARIÇA VARGAS

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